sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sítio histórico de Cachoeira é agredido


Dando continuidade às variadas agressões ao patrimônio histórico e cultural de Cachoeira, município tombado por decreto federal desde 1971 como patrimônio histórico, artístico-cultural e natural brasileiro, mais uma obra realizada pela prefeitura municipal violenta o sítio arqueológico de São Francisco do Paraguaçu, subdistrito de Santiago do Iguape, na antiga zona dos canaviais cachoeiranos. Dessa vez a PMC está construindo um coreto, ou um palanque, qualquer coisa, enfim, que por falta de uma denominação coerente ou uma finalidade definitiva, o equipamento está sendo batizado pela comunidade de elefante branco.
Para levar a efeito o intento nefasto a PMC derrubou duas árvores centenárias que ornamentava a praça principal da vila. Além disso, o equipamento desfigura o conjunto original de casas e oculta a visão que se tem do edifício do antigo convento de Santo Antonio, construído pela Ordem Franciscana em meados do século XVII. Entretanto, a PMC desconhece que a vila de São Francisco é área de proteção rigorosa como sítio arqueológico e histórico, como ocorre com a sede do município, principalmente a área urbana da antiga vila.
Não faz muito tempo o IPHAN desautorizou a construção de um imóvel de dois pavimentos na imediação do convento de São Francisco. No caso da obra desfiguradora ora realizada pela PMC, o IPHAN não foi informado, o que significa dizer que não há laudo histórico nem arqueológico. Enfim, a obra é ilegal e representa mais uma entre tantas outras obras realizadas pela PMC em que a lei de proteção e conservação do patrimônio histórico-cultural e artístico brasileiro é acintosamente desrespeitado pelo excelentíssimo senhor prefeito municipal.

O prefeito se acha acima da lei

Obras irregulares são recorrentes em Cachoeira e o prefeito diz destemidamente que ele não tem medo de processos jurídicos, que vai fazer e acontecer, queira ou não queira os “cupins” IPHAN e IPAC. Entenda-se a sua vaidade está acima de tudo. As arbitrariedades administrativas cometidas são apoiadas por um poder legislativo omisso e covarde. Tendo todos os vereadores comendo em sua mão, comem igualmente migalhas jogadas ao chão por ele os meios de comunicação da região e a população despolitizada e controlada à base de festas, drogas e cervejas. Ninguem tem coragem de dizer nada; nenhuma voz se levanta. Aí nenhum IPHAN e nenhum IPAC tem força política para dar testa ao todo poderoso corró da cidade.
Ante essa situação, o perna-de-pau centroavante da seleção de coroas cachoeiranos joga solto, sem marcação, fazendo gols de impedimento a torto e a direito. Resultado: não existe uma obra sequer que não tenha uma irregularidade, um dinheirinho a mais. Que comprove o relatório da auditoria roleta-russa da CGU.
O local do crime


Baseado no cronista cachoeirano Pedro Celestino da Silva e numa bibliografia específica e oriunda de pesquisadores religiosos da Ordem de São Francisco, a presença franciscana e a instalação do Convento de Santo Antonio do Paraguaçu em Cachoeira se deu em decorrência da conversão religiosa, já na maturidade, de Pedro Garcia de Araujo, proprietário das antigas terras de São Francisco, que se tornou irmão leigo da Ordem.  Jaboatão diz que
No Capítulo, que fez o primeyro custodio independente, Fr. João Bautista em vinte e quatro de fevereyro de 1646, foi determinado a acceitação de fundar Convento no lugar do Paraguassú, como pedem os moradores da freguesia, (diz hum assento da Meza deste Capitulo, e se escolherão dos dous Sítios, que offerece o P. Pedro Garcia, qual seja o mais conveniente).
Já Pedro Celestino da Silva, baseado em Jaboatão, diz ele que
Doou o padre Pedro Garcia, por escriptura publica, dois sítios que possuía na margem oriental do rio Paraguassú, um onde se acha levantado esse convento, e outro mais abaixo, na passagem denominada Pontal.
Jaboatão e outros autores que estudaram a ordem franciscana e o convento Santo Antonio em São Francisco do Paraguaçu não apresentam dados precisos sobre as terras doadas por Pedro Garcia para os franciscanos. Em face disto, não se sabe sua extensão original e limites precisos. Sabe-se concreto que os franciscanos não eram empreendedores, como eram os beneditinos e jesuítas, que possuíam grandes engenhos e grandes plantéis de escravos. Assim, conclui-se que propriedade doada por Pedro Garcia aos franciscanos limitava-se unicamente àquela que constituía o convento, inclusive o quintal, que corresponde a área da atual vila.
Jaboatão diz que
Quando alli fomos Noviço pellos annos de 1717 naõ havia no lugar mais que dous ou três cazebres de Pescadores, e o Hospital, de que logo diremos; hoje haverá huã dúzia de cazas de alguns pobres [pescadores}, que vivem á sombra do Convento.
Esses “pobres pescadores” referidos por Jaboatão eram, certamente, mamelucos (mestiços de índios e brancos) descendentes de antigos habitantes do local. Jaboatão identificou poucos moradores naquela localidade devido, principalmente, à configuração do lugar, em detrimento, por exemplo, da vizinha povoação de Santiago, localizado numa parte onde se descortinava o vale  do Iguape. Diz Jaboatão (p.540):
Não tem vista alguã para a parte de terra, por ser toda dezerta, e montanhoza; a melhor que tem he [é] a do Rio. Não se descobre do Convento Povoação, ou edifício algum mais que da outra banda da barra da [vila da] Cachoeyra em distancia de mais de legoa.
Em decorrência da instabilidade pela qual vivia o convento de Santo Antonio ao longo de sua existência, determinado momento enfraqueceu suas atividades religiosas e de assistência. Em finais do século XVIII até meados do século XIX, com a crescente decadência do sistema plantocrático açucareiro no Iguape, que sustentava e garantia o funcionamento do convento, suas instalações físicas começaram a sofrer gradativo processo de deterioração. Sabe-se que na década de 1850 não mais havia frades brasileiros ou portugueses no Convento, e sim cerca de cinqüenta franciscanos de origem alemã, que permaneceram pouco tempo no local.
Na década de 1910 o Convento de São Antônio do Paraguassú estava abandonado e em ruína. Diante da iminência de desabamento de todo o conjunto arquitetônico, o convento e os terrenos adjacentes foram doados à arquidiocese baiana. Como medida preventiva para evitar o desabamento da igreja, foi acordada em reunião a demolição do convento e a venda dos terrenos e alfaias para que, com o dinheiro auferido, se promovesse a reforma da igreja. Para tal, em 19 de janeiro de 1915 foi nomeada uma comissão que seria responsável pela execução do projeto.
Peças em mármore, metais e madeiras que compunham o acervo móvel (mobiliário, objetos de arte, por exemplo) e imóvel (pias, lavabos, escadaria, etc) do convento foram vendidas e/ou doadas. Na década de 1930, São Francisco do Paraguaçu atraiu imigrantes provenientes de áreas sertanejas flagelados pela seca que grassou naquela década na Bahia. Aqueles que se fixaram definitivamente em São Francisco arrendaram pedaços de terras para cultivo temporário de gêneros de subsistência ou se empregaram como extrativistas meeiros. Parte da população atual da vila de São Francisco é oriunda desses imigrantes sertanejos.
Além de sítio histórico construído pelos irmãos franciscano do convento de Santo Antonio, local onde estudou um dos mais renomados cronistas setecentistas brasileiro, o frei Antonio de Santa Rita Jaboatão, a vila de São Francisco era originalmente uma aldeia indígena. Valiosíssimas obras de arte sacras pertencentes ao convento enriquecem museus brasileiros; no interior da igreja de Santo Antonio jazem os restos mortais de Sebastião da Rocha Pitta, o pai da história brasileira. Pesquisadores da Universidade de Évora, Portugal, estudaram a Nora, o sistema medieval de abastecimento de água através de aqueduto que se encontra preservado no citado convento. Contudo, o prefeito de Cachoeira, que desconhece a importância do patrimônio histórico e cultural do município que administra, arrogantemente destrói tudo; constrói um trombolho ao lado de um edifício religioso construído no início da colonização brasileira. É demais!
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário